A busca pelo sentido do voluntariado

Estive pensando acerca do voluntariado e decidi escrever sobre esse tema.

Afinal, o que é voluntariado? Pensando sobre isso, não há como deixar de tocar em inúmeros outros assuntos, fundamentais para construir uma concepção clara e profunda do que é o voluntariado.

Essa análise será filosófica, e para isso, vamos exercer o próprio ato de filosofar na busca da resposta para o que é o voluntariado.

Percepção e filosofia

A ideia é ampliar nossa percepção do que é voluntariado, e nessa busca, consequentemente, vamos ampliar nosso entendimento acerca da finalidade da vida e do que é o Ser Humano.

O instrumental da percepção são os próprios sentidos e o intelecto, que permite a apreensão da realidade; enquanto Seres Humanos, somos capazes de aprimorar nossa capacidade de percepção, intencionando nossa Vontade para estar mais próximo da verdade.

Quem refina a capacidade de percepção da realidade, exerce filosofia e deste modo, essa busca pela resposta do que é voluntariado, demonstrará a importância desse inesgotável instrumental de apreender a realidade, que é a filosofia.

Definições

A filosofia busca compreender a razão de ser das coisas que estão postas no mundo, e uma dessas coisas que está posta no mundo, é o Ser Humano, que age.

Quem executa o voluntariado é o Ser humano, que enquanto age, é voluntário.

Para começar nossa busca pela resposta, precisamos primeiro olhar para o mais básico, que é o próprio conceito.

Voluntariado é um substantivo, que é definido pelo dicionário como: Qualidade de voluntário, de quem se dedica a alguma coisa sem ter a obrigação de o fazer, motivado por vontade própria. (https://www.dicio.com.br/voluntariado/)

Quem exerce o voluntariado é o voluntário; que é definido pelo dicionário como: Aquele que se compromete com um trabalho, ou assume a responsabilidade de uma tarefa, sem ter a obrigação de o fazer. (https://www.dicio.com.br/voluntario/)

Desse modo, nossa percepção apreende que o voluntariado é exercido pelo voluntário; o voluntário é o Ser Humano, que possui liberdade para agir no mundo.

Agir

Ser voluntário é agir de algum modo no mundo, é utilizar a vontade para mobilizar-se em direção de algo, visando um fim; fim este que será descoberto no decorrer desta busca.

Para compreendermos a natureza do agir e do conhecer, podemos buscar pelas faculdades humanas, estudadas pela antropologia filosófica e pela epistemologia; porém visando a didática focaremos apenas na natureza do agir, campo da Ética.

Quando agimos no mundo, sempre agimos visando algo, agimos em direção de algo, visamos um fim.

O grande dilema da Vida humana, é a busca pelo melhor agir, pois diante de inúmeras situações que a experiência humana nos proporciona, como podemos melhor agir?

Muitos filósofos, no âmbito da ética, buscaram essa resposta, procurando encontrar ou negar um sentido no agir humano.

Afinal, existe algum sentido e finalidade no agir humano? Existe alguma finalidade no Mundo/Cosmos? O Ser Humano enquanto age, busca algum bem ou age impulsionado por seus instintos animais? O Ser Humano enquanto age, busca um bem ou apenas satisfazer os prazeres utilitários? Existe uma natureza humana que possa ser utilizada e atualizada como norte no agir humano? Existe de fato livre arbítrio e liberdade?

Diante das inúmeras correntes filosóficas, nesta busca, eu assumo que:

a) Existe uma natureza humana;

b) quando o ser humano age, age visando um bem;

c) o ser humano age buscando a felicidade.

A harmonia interna

Definições

Essas definições do campo da ética, são postuladas por Platão, que serão melhor desenvolvidas por Aristóteles.

O homem age no mundo sem saber qual a melhor forma de agir, porém quando age, visa um bem; mesmo que o objeto de seu desejo não seja efetivamente um bem, o homem sempre age visando um bem; esse bem desejado pode ou não coincidir com o que é verdadeiramente um bem; por isso a importância da refinação da capacidade de percepção para encontrar o que é o bem verdadeiro do bem aparente.

Nessa linha de raciocínio, para começar a entender qual a melhor forma de agir no mundo, precisamos olhar para as virtudes, principalmente a prudência e a temperança.

Aristóteles afirmava que o Ser Humano, por natureza, é um animal político, que não tem como natureza, viver apartado dos demais, e priorizava a amizade como um dos principais fatores para o desenvolvimento das virtudes e da manifestação da justiça.

Platão defende que para que haja justiça e se manifeste as virtudes, é necessário que o Ser Humano se harmonize internamente, como se fosse uma unidade harmônica; defende que precisamos harmonizar todas nossa partes internas, desde os impulsos concupiscíveis e dos prazeres, que serão moderados pela temperança; a parte da irascibilidade, sendo moderada pela coragem; e a parte da razão, que deve ser moderada pela sabedoria e prudência, governando as demais partes internas.

Quando harmonizamos essas nossas partes internas, começamos a ver com clareza aquilo que é bom e harmonioso na realidade externa; desse modo, começamos a saber qual é a melhor forma de agir diante das situações que a vida nos impõe.

Desse modo, começamos a atuar no mundo de modo a entregar nossa harmonia interna para os demais, manifestando assim a justiça, dando a cada um o que lhe é devido, na proporção exata.

Os planos sutis

Você pode se perguntar, por qual motivo a harmonia interna é necessária para o melhor agir? Perceba que sua consciência, muitas vezes, acaba sendo um joguete no mar do plano mental, emocional e físico; ela não consegue tencionar e encontrar a voz interna que permite que ela classifique com clareza o que é ela do que não é, na sutiliza desses planos; não conseguirá ver com clareza a realidade externa e interna; sem a harmonia, você estará ocupado demais olhando para esses ritmos e ciclos internos, impossibilitando de discernir com clareza as situações ambíguas, levando tudo, sempre, para o lado pessoal.

Para aquele que é capaz de compreender e ver, todas as tradições, expõem que, quando alcançamos o governo completo do plano mental, emocional e físico, isso aqui não terá mais nada para nos ensinar, sendo o fim dos ciclos.

Hiperacuidade

Quando começamos a olhar para o próximo, com essa nossa harmonia interna, manifestamos paciência, temperança, clareza, hiperacuidade, compreensão; percebemos que ao servi-lo, seja em qual camada for da vida, nossa harmonia interna se intensifica mais ainda e encontramos sentido no nosso agir e na vida.

Desse modo, começamos a perceber que há um modo de agir, que nos torna felizes e que há uma finalidade em si mesma; esse modo de agir é servir o próximo.

Quando servimos o próximo, começamos a desenvolver um senso de que não é necessário retribuição, pois a retribuição é o próprio ato de servir, que em si mesmo, já nos fornece uma inesgotável percepção da harmonia interna se intensificar.

Praticamente em todas as culturas, principalmente do passado, os grandes filósofos e pensadores perceberam esse movimento interno acontecendo no ato de servir.

Desse modo, compreendemos que servir é o fundamento do voluntariado, que não esperando nenhuma retribuição externa, o Ser humano se mobiliza, através da vontade, para servir o próximo.

Desse modo, voluntário, não é aquele que se voluntaria a uma instituição para exercer determinada atividade não remunerada. Na essência do conceito, voluntariado é aquele que se vincula à própria Vida, compreendendo que no agir humano, o servir é o mais fundamental.

Há tantas camadas no servir humano: um conselho; um abraço; um olhar; ajudar a atravessar a rua; jogar o lixo no lixo; organizar o ambiente; ensinar; esclarecer; acolher; alimentar; fornecer serviço médico gratuito; fornecer ajuda familiar; auxiliar em uma escolha. Aguce seus olhos e verá que a lista é inesgotável.

Finalidade

Percebo que no fim, quando agimos no servir, a finalidade do movimento, é auxiliar os demais a descobrirem quem eles são, e nesse processo, descobrimos quem somos.

Descobrir quem somos, significa descobrir que existe uma finalidade e uma natureza interna, que tende à harmonia e ao equilíbrio, e esse equilíbrio íntimo deixa um rastro na Vida, possibilitando que os demais identifiquem, na harmonia do rastro, a harmonia dentro de si mesmo.

Tudo é um movimento para descobrir quem somos, para descobrir o porquê existimos e a finalidade da vida humana.

O propósito da existência humana é aperfeiçoar a própria natureza, que se atualiza e se realiza no ato de servir. Quando servimos, nossa existência passa a ser dotada de sentido.

No servir, consigo nivelar minha própria consciência ao mesmo tempo que auxilio o próximo a nivelar a dele. Me faz compreender que nenhum status social, nome, título, cargo, nos diferencia, pois todos participamos da mesma natureza, a Humana.

Sirva, e nesse processo, você descobrirá quem você é, e encontrará a resposta para qual a melhor forma de agir no mundo.

  • Voluntariar é servir, agir no mundo de modo a deixá-lo melhor;
  • servir é no fim, sempre, um meio de auxiliar o próximo a descobrir quem ele é;
  • auxiliar o próximo a descobrir quem ele é, é fazê-lo perceber que existe uma harmonia interna que pode ser alcançada;
  • quando o próximo percebe e alcança a harmonia interna, você acendeu uma chama nele, e essa chama será repassada para frente.

Na nossa busca descobrimos que:

a) Voluntariar é agir no mundo;

b) agir, é agir visando um fim;

c) o fim visado é sempre um bem, seja aparente ou verdadeiro;

d) a melhor forma de agir e encontrar o bem verdadeiro é harmonizando-se internamente;

e) harmonizando-se internamente, começamos a entregar para o próximo nossa harmonia;

f) entregar para o próximo nossa harmonia, nos faz compreender com mais profundidade quem somos;

g) no movimento de compreender quem somos, percebemos que servir é uma das principais finalidades da nossa natureza;

h) servir é Ser Humano.

A vida tem dois principais propósitos:

  • Servir e descobrir quem somos.

A grande meta do Ser Humano é fazer diferença e deixar o mundo um pouco melhor, porque ele existiu. Não podemos passar por este mundo em vão.

Referências

Platão, A república

Aristóteles, Ética a Nicômaco

Lúcia Helena Galvão, SERVIR É UMA HONRA: Virtude Difamada e Mal Compreendida - Nova Acrópole; https://www.youtube.com/watch?v=g6Oa-t7rsSs (Acessado em 19/10/2024 11:32)









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